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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

STJ reconhece ilicitude de provas obtidas sem autorização de whatzap

Julgando o RHC 51.531-RO,a 6ª turma declarou ilícita a conversa extraída do whatzap sem autorização.

integra do julgado:

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 51.531 - RO (2014/0232367-7) RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO RECORRENTE : LERI SOUZA E SILVA ADVOGADOS : ROBERTO PEREIRA SOUZA E SILVA E OUTRO(S) BRUNO ESPINEIRA LEMOS RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator): Trata-se de recurso ordinário interposto por Leri Souza e Silva em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Rondônia, que denegou a ordem em writ lá impetrado. Afirma que após a apreensão do aparelho celular, sem qualquer autorização, a polícia obrigatoriamente teria que ter oficiado do Juízo, com o conhecimento do MP, antes de proceder à devassa unilateral no conteúdo do aparato, que, necessariamente, teria que ser acompanhada pelo MP e especial pela Defesa, diante dos riscos naturais do desvirtuamento, acréscimo e exclusões do conteúdo a ser extraído (fl. 84). Alega que a prova obtida sem requerimento ao Juiz natural (PERÍCIA DE, APARELHO CELULAR) que teve trâmite após a detenção do Paciente, portanto, perícia realizada em objeto já apreendido e sob a responsabilidade da Policia, sem que para isso houvesse sido requerida a autorização judicial, com os consectários fiscalizadores e asseguradores daí advindos viola os ditames do art. 5º, XII, da CF, sendo inadmissível a prova obtida de forma ilícita (art. 5º, LVI/CF), do mesmo modo disciplinando o art. 157, do CPP, razões essas, mais que suficientes para o desentranhamento das provas aqui mencionadas (fl. 93). Requer o provimento do recurso para que seja reconhecida a ilegalidade da prova mediante o desentranhamento dos autos. Contrarrazões opostas pelo Ministério Público (fls. 98/104). Informações prestadas em 22/10/2015, indicam que o feito encontra-se concluso para sentença, sendo que o paciente aguarda o processo em liberdade diante da decisão proferida em sede de medida cautelar no habeas corpus 122.555/RO , impetrado perante a Suprema Corte (fls. 125/144). O parecer Ministerial pelo desprovimento do recurso (fls. 116/118). É o relatório. Documento: 54739651 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 7 Superior Tribunal de Justiça RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 51.531 - RO (2014/0232367-7) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO NEFI CORDEIRO (Relator): Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela prática dos crimes previstos nos arts. 33 e 35 da Lei 11.343/06 e art. 329 do CP. Em 6/8/2014, a Corte Estadual denegou a ordem, consoante acórdão assim ementado (fl. 61): Habeas corpus. Processo Penal. Tráfico de drogas. Prova pericial. Nulidade. Transcrição de mensagens de texto gravadas no aparelho apreendido. Inocorrência de prova ilícita. Ordem Denegada. 1 . É válida a transcrição de mensagens de texto gravadas no aparelho celular apreendido com o paciente por ocasião de sua prisão em flagrante pois estes dados não gozam da mesma proteção constitucional de que trata o art. 5º, XII. 2. Ordem denegada. Neste recurso, busca-se a decretação da ilicitude das provas extraídas do aparelho celular do recorrente dada a ausência de ordem judicial. Extrai-se do voto condutor a seguinte fundamentação (fls. 64/66): Em breve narrativa fática, consta dos autos que o paciente foi preso no dia 18/03/2014, sob a acusação de praticar o delito de tráfico de entorpecentes e ainda associação para o tráfico. A denúncia descreve que uma denúncia anônima informou que no dia em que foi preso o paciente receberia, via correios, uma carga de entorpecente. Foi realizado acompanhamento pela polícia militar e tão logo a encomenda fora entregue realizaram a abordagem, logrando êxito em apreender na posse do paciente um recipiente contendo 300 (trezentos) comprimidos de ecstasy. Investigações complementares demonstraram que o paciente se associou com os corréus com a finalidade específica de perpetrar o delito de tráfico de entorpecentes, cada um exercendo uma tarefa específica. Em informações apresentadas às fls. 40/42 a autoridade impetrada afirmou que o aparelho de telefone celular foi apreendido com o paciente por ocasião de sua prisão em flagrante, apontando que a perícia realizada no aparelho tem fundamento no art. 6º, incs. II, III e VII do CPP. Informou ainda que o acesso aos dados constantes do aparelho, no caso dos autos, não encontra o mesmo impedimento da interceptação telefônica e que a autoridade policial agiu estritamente para cumprimento da Lei. A discussão apresentada pelo impetrante circunda a Documento: 54739651 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 2 de 7 Superior Tribunal de Justiça possibilidade de realização unilateral da perícia no aparelho de telefone celular apreendido quando da prisão em flagrante sem a alegada imprescindível autorização judicial. Entendo que a tese apresentada pelo impetrante é desprovida de fundamento porquanto a proteção do acesso aos dados constantes do aparelho não se assemelha à interceptação telefônica. Inicialmente relato que o telefone celular foi apreendido no momento da prisão em flagrante do paciente, ocasião em que os policiais recolheram todos os instrumentos que poderiam estar relacionados ao crime, incluindo este aparelho, encaminhando-o à autoridade policial competente. Após a apreensão a autoridade policial conduziu a investigação conforme disposto no art. 6º do CPP, determinando a realização de perícia do entorpecente apreendido e ainda extração das conversações do aparelho celular do paciente. Assim dispõe o referido texto legal: Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: [...] II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994) III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; [...] VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; Nota-se que o legislador não atribuiu discricionariedade ao ato impugnado, pelo contrário, determina que a autoridade policial realize as ações descritas nos incisos do referido artigo. Entendo não ser imprescindível a decisão judicial para realização de perícia em aparelho celular apreendido pois a lei permite até mesmo a violação de domicílio para efetuar prisão em flagrante. Relato ainda que o Direito Penal e Processual Penal possuem natureza pública, geridos pelo Estado, representante das vontades e interesses da coletividade. Cito este fato em razão do questionamento da atividade pericial realizada, e saliento que a perícia foi realizada por agentes oficiais do Estado, legalmente incumbidos da realização dos estudos realizados, recaindo sobre eles a necessidade de observação explícita dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, dentre outros. Apresentar meras ilações acerca da possibilidade de algum dos policiais prejudicar o paciente é demasiadamente pueril, até mesmo porque não demonstrou objetivamente tal condição, não sendo relatado em momento algum dos autos a preexistência de qualquer animosidade pretérita ao fato. Documento: 54739651 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 3 de 7 Superior Tribunal de Justiça O fato é que ao empossar um agente público em seu cargo o Estado lhe confia o poder conferido pelo povo, presumindo-se legais os seus atos até ulterior conclusão contrária. Observo ainda que o art. 159 do CPP exige a realização dos trabalhos periciais por peritos oficiais, a saber: "Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior." Sobre este tema, leciona Nucci (in Código de processo penal comentado / 13. ed. rev. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2014) que "perito é o especialista em determinado assunto. É considerado oficial quando investido na função por lei e não pela nomeação feita pelo juiz. Normalmente, é pessoa que exerce a atividade por profissão e pertence a órgão especial do Estado, destinado exclusivamente a produzir perícias". Com essas ponderações, considero válida a prova pericial decorrente da degravação do conteúdo constante do aparelho celular do paciente, inexistindo ainda qualquer ilegalidade a ser sanada. A Constituição Federal prevê como garantias ao cidadão a inviolabilidade da intimidade, do sigilo de correspondência, dados e comunicações telefônicas - salvo ordem judicial: Art. 5º. [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; No caso das comunicações telefônicas, a Lei n. 9.294/96 regulamentou o tema: Art. 1º. A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Art. 5º. A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez Documento: 54739651 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 4 de 7 Superior Tribunal de Justiça comprovada a indispensabilidade do meio de prova. A Lei n. 9.472/97, ao dispor sobre a organização dos serviços de telecomunicações, prescreve: Art. 3º. O usuário de serviços de telecomunicações tem direito: [...] V - à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas; E a Lei 12.965/14, que estabelece os princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil, prevê que: Art. 7º. O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; [...] Na perícia realizada, houve acesso aos dados do celular e às conversas de whatsapp obtidos sem ordem judicial. No acesso aos dados do aparelho, tem-se devassa de dados particulares, com violação à intimidade do agente. Embora possível o acesso, necessária é a prévia autorização judicial devidamente motivada: RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. DILIGÊNCIAS PARA VERIFICAR O REGULAR CUMPRIMENTO DA PENA. DECISÃO DESPROVIDA DE FUNDAMENTAÇÃO. 1. Embora não sejam absolutas as restrições de acesso à privacidade e aos dados pessoais do cidadão, e mesmo considerado o interesse público no acompanhamento da execução penal, imprescindível é a qualquer decisão judicial a explicitação de seus motivos (art. 93, IX, da Constituição Federal). 2. Diligências invasivas de acesso a dados (bancários, telefônicos e de empresa de transporte aéreo) deferidas sem qualquer menção à necessidade e proporcionalidade dessas medidas investigatórias, não propriamente de crime, mas de regular cumprimento de pena imposta. Nulidade reconhecida. 3. Recurso especial parcialmente provido. Documento: 54739651 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 5 de 7 Superior Tribunal de Justiça (REsp 1133877/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 02/09/2014). PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. 1. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 157 DO CPP. OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO PELO DELITO DO ART. 1º, I, DA LEI N. 8.137/1990. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE DA PROVA. 2. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Afigura-se decorrência lógica do respeito aos direitos à intimidade e à privacidade (art. 5º, X, da CF) a proibição de que a administração fazendária afaste, por autoridade própria, o sigilo bancário do contribuinte, especialmente se considerada sua posição de parte na relação jurídico-tributária, com interesse direto no resultado da fiscalização. Apenas o Judiciário, desinteressado que é na solução material da causa e, por assim dizer, órgão imparcial, está apto a efetuar a ponderação imprescindível entre o dever de sigilo - decorrente da privacidade e da intimidade asseguradas ao indivíduo, em geral, e ao contribuinte, em especial - e o também dever de preservação da ordem jurídica mediante a investigação de condutas a ela atentatórias. 2. Recurso especial a que se dá provimento para reconhecer a ilicitude da prova advinda da quebra do sigilo bancário sem autorização judicial, determinando-se que seja proferida nova sentença, afastada a referida prova ilícita e as eventualmente dela decorrentes. (REsp 1361174/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 10/06/2014). Na conversas mantidas pelo programa whatsapp , que é forma de comunicação escrita, imediata, entre interlocutores, tem-se efetiva interceptação inautorizada de comunicações. É situação similar às conversas mantidas por e-mail, onde para o acesso tem-se igualmente exigido a prévia ordem judicial: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO REVELAÇÃO. CORRUPÇÃO ATIVA. MEDIDAS CAUTELARES DETERMINADAS. AFASTAMENTO DE SIGILO DE CORREIO ELETRÔNICO. DURAÇÃO DA CONSTRIÇÃO. PRAZO: DE 2004 A 2014. FUNDAMENTAÇÃO PARA A QUEBRA DO SIGILO DO E-MAIL NO PERÍODO. AUSÊNCIA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO OBSERVÂNCIA. OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A quebra do sigilo do correio eletrônico somente Documento: 54739651 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 6 de 7 Superior Tribunal de Justiça pode ser decretada, elidindo a proteção ao direito, diante dos requisitos próprios de cautelaridade que a justifiquem idoneamente, desaguando em um quadro de imprescindibilidade da providência. 2. In casu, a constrição da comunicação eletrônica abrangeu um ancho período, superior a dez anos, de 2004 a 2014, sem que se declinasse adequadamente a necessidade da medida extrema ou mesmo os motivos para o lapso temporal abrangido, a refugar o brocardo da proporcionalidade, devendo-se, assim, prevalecer a garantia do direito à intimidade frente ao primado da segurança pública. 3. Lastreadas as decisões de origem em argumentos vagos, sem amparo em dados fáticos que pudessem dar azo ao procedimento tão drástico executado nos endereços eletrônicos do acusado, de se notar certo açodamento por parte dos responsáveis pela persecução penal. 4. Ordem concedida, com a extensão aos co-investigados em situação análoga, a fim de declarar nula apenas a evidência resultante do afastamento dos sigilos de seus respectivos correios eletrônicos, determinando-se que seja desentranhado, envelopado, lacrado e entregue aos respectivos indivíduos o material decorrente da medida. (HC 315.220/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 09/10/2015). Atualmente, o celular deixou de ser apenas um instrumento de conversação pela voz à longa distância, permitindo, diante do avanço tecnológico, o acesso de múltiplas funções, incluindo, no caso, a verificação da correspondência eletrônica, de mensagens e de outros aplicativos que possibilitam a comunicação por meio de troca de dados de forma similar à telefonia convencional. Deste modo, ilícita é tanto a devassa de dados, como das conversas de whatsapp obtidos de celular apreendido, porquanto realizada sem ordem judicial. Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos.

Fonte: https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=201402323677&aplicacao=processos.ea

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