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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

quinta-feira, 26 de junho de 2014

DOLO EVENTUAL, SUA APLICAÇÃO, SEUS LIMITES E A RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA



Artigo publicado na Revista JURÍDICA CONSULEX. Ano: XVIII. Número: 413. 1° de Abril.

O que se tem visto, com muita tranqüilidade, na prática jurídica criminal, na verdade, já se apresentando até como tendência ou mesmo “regra”, é a distorção sobre o instituto do dolo, mais especificamente em sua forma eventual, no sentido de tratar como dolosas situações que corriqueiramente deveriam, no máximo, serem vistas no campo da culpa.

O Código Penal, em seu art. 18, consagrou a regra de que os tipos penais devem referência ao dolo, enquanto que a culpa somente poderá ser invocada quando a lei conceder essa venia. Pois bem, a princípio, temos então apenas dois institutos: dolo e culpa.

Ocorre que a tipicidade vista apenas pelo prisma do dolo e da culpa, na prática, era insuficiente para atingir determinadas condutas de forma a tornar mais clara a formação do injusto penal. Foi quando a doutrina transformou esses institutos em gêneros, do que se passou a ter várias espécies, tanto de culpa como de dolo.

A saber, das espécies criadas, tanto para um como para outro instituto, em regra, não se tinha problema quando de suas verificações e aplicações, salvo quando determinada situação permeava ao mesmo tempo o campo da culpa consciente e dolo eventual. Por muito tempo se travou certa discussão ao tentar estabelecer os limites da culpa consciente e do dolo eventual, de modo que cada um fosse diferenciado em sua perfeita aplicação.

Quando já parecia haver um consenso sobre isso, motivado principalmente pelo aumento significativo do número de mortes no trânsito, toda discussão que até então já havia sedimentado a aplicação do dolo e da culpa, diga-se, eventual e consciente, passou a seguir nova tendência, que, pautada em questões outras que não propriamente jurídicas, tem como objetivo claro estabelecer uma nova espécie de “regra” de aplicação do dolo eventual, estendendo-o aos casos em que a própria lei estabelece culpa.
Infelizmente, não há melhor exemplo para se trabalhar essa questão do que os casos de mortes no trânsito. A propósito, segundo pesquisa realizada pelo instituto Avante Brasil, o Brasil figura no 4º lugar dentre os países que mais matam no trânsito. É, de fato, uma dura e infeliz realidade. Contudo, o que não se pode fazer é simplesmente querer resolver essa questão por meio do Direito Penal.

Atualmente, em decorrência da força e influência que a mídia possui sobre as várias instituições, quando se fala em homicídio culposo no trânsito (art. 302, CTB) associado à direção sob influência de álcool (art. 306, CTB), o cenário de aplicação do dolo e da culpa sofre grande alteração. É o mesmo que dizer que nasce neste momento uma responsabilização penal objetiva, posto que basta haver a conjugação dos mencionados delitos para que, independentemente de haver provas para tanto, já se têm como certas as ideias de que: (i) aquele que fez a ingestão de álcool foi responsável pelo acidente; (ii) o fato de beber já coloca o agente em relação de desprezo com o resultado morte.

Para se entender melhor a gravidade do que esta ocorrendo, imagine uma situação na qual, realmente, um indivíduo pratique o crime de homicídio culposo no trânsito (art. 302, CTB). Sendo ele autuado apenas por esse crime terá direito a fiança arbitrada na própria delegacia, caso não tenha antecedentes, não se poderá sequer impor a prisão preventiva, e, caso haja condenação no fim do processo, o autor do delito não receberá uma pena maior que 4 anos.

Por outro lado, pense no mesmo exemplo, mas inclua o fato de o mesmo motorista estar embriagado e o acidente ter sido causado pela vítima, a qual não estava embriagada. Nesse caso, pelo que tem apontando a prática, mesmo não tendo sido responsável pelo crime, em um primeiro momento, já se imputaria ao motorista embriagado o crime de homicídio doloso do Código Penal, que, em sua forma simples, admite pena máxima de 20 anos, a fiança só poderia ser vista em Juízo e o processo tramitaria no procedimento do Júri.

Importante esclarecer que, com tais argumentos, não se está fazendo a defesa daqueles que bebem e dirigem. O que se visa demonstrar com os exemplos acima é que na prática, já se presume como responsável por um acidente de trânsito aquele que tenha feito uso de qualquer tipo de substância capaz de alterar sua capacidade psicomotora. Essa verificação preliminar de culpabilidade é que tem possibilitado a aplicação objetiva da responsabilidade penal. No segundo exemplo, o motorista deveria responder apenas pelo crime do art. 306, mas por conta dessa verificação equivocada, uma situação que aparentemente era simples passa a ganhar contorno de dramaticidade, posto que as consequências de ser autuado por um crime doloso, como o caso do homicídio, não se compara com aquelas decorrentes do art. 306, tampouco com as verificadas no art. 302, todos do Código de Trânsito Brasileiro. Esse é o cenário!

Importa ressaltar que o que se diz na prática por dolo eventual é, na verdade, uma distorção daquilo que simplesmente seria o dolo direto. Quando alguém deseja um resultado e molda sua conduta com o fim de atingir o seu objetivo, costuma-se dizer que ela agiu com dolo direito. De forma completamente diversa, quem age com dolo eventual não deseja o resultado, mas é punido como se o houvesse desejado, simplesmente por uma presumida assunção de risco. O dolo eventual se pauta na inobservância e na displicência frente ao risco gerado por uma conduta. Até por isso que a distinção do dolo eventual da dita culpa consciente é muito sutil.

A ficção do dolo eventual nasceu da necessidade de se ter um mecanismo que aplacasse as situações que não guardavam compatibilidade nem com o dolo, nem com a culpa, mas que de uma forma efetiva pudesse auxiliar o Direito Penal na hora de se imputar objetivamente um determinado resultado.

O dolo eventual veio justamente para atuar entre o dolo e a culpa, é de fato uma ficção quase que própria e que, na verdade, não deveria ser nem chamada de “dolo”, pois não possui a essência deste, assim como também não possui o cerne da culpa.

É uma ficção jurídica que, se observada corretamente, não encontra base de existência nem no dolo, nem na culpa. Ora, se o dolo direto baseia-se na vontade livre e consciente, enquanto que o dolo eventual implica que o agente não deseja o resultado, é incongruente imputar a alguém uma prática dolosa quando a essência do dolo não pôde ser observada.

Bem como não se pode falar em tentativa no dolo eventual. Ora, como poderia alguém que não deseja um resultado responder como se houve tentado produzi-lo? É no mínimo contraditório!

Se a pessoa não deseja um resultado, em regra já se afasta do dolo e, sem este, não se pode falar em tentativa, uma vez que a tentativa é completamente dependente da intenção. Ninguém tenta algo se não tiver convicção, certeza, vontade, dolo, daquilo que deseja fazer.

A tentativa, conforme o Código Penal prevê, no teor do art. 14, inciso II, é quando o crime, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

No caso do dolo eventual, considerando que o agente não deseja o resultado, é justamente por este motivo que não se verificam circunstâncias alheias que frustrem a execução do crime. Não se pode impedir alguém de fazer algo que não se deseja. Como também não se pode admitir tentativa em crime culposo.

Claro que o assunto não será resolvido de forma tranquila, mas, não obstante isto, não deve ele ser ignorado ou mesmo tratado com simplicidade, sendo imprescindível que se estabeleçam novas diretrizes de aplicação do dolo eventual e da culpa consciente. Permanecer como está é perpetrar uma responsabilização penal objetiva e, de fato, retroceder frente a todo o garantismo que se conquistou com a Carta de 1988.

Imputar a alguém uma prática dolosa simplesmente por se presumir uma eventualidade sobre o resultado produzido é, sem dúvida, consagrar a inconsagrável responsabilidade penal objetiva. Isso é um retrocesso!
 


REFERÊNCIAS
ARAUJO JR., Marco Antônio, BARROSO, Darlan (Coord.). Leis penais especiais. V. 18. São Paulo: RT, 2013. (Coleção Elementos do Direito).
GOMES, Luis Flávio. Mortes no trânsito: Brasil é o 4º do mundo – 2014. Avante. Disponível em: <http://institutoavantebrasil.com.br/mortes-no-transito-brasil-e-o-4o-do-mundo-2/>. Acesso em: 25.02.14.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Questões Corrigidas e Comentadas da Prova da OAB – XIII Exame Unificado FGV

Questões Corrigidas e Comentadas da Prova da OAB – XIII
Exame Unificado FGV


2ª Fase (aplicada em 01/06/2014)




Diogo está sendo regularmente processado pela prática dos crimes de violação de domicílio (artigo 150, do CP) em concurso material com o crime de furto qualificado pela escalada (artigo 155, § 4º, II, do CP). Isso porque, segundo narrou a inicial acusatória, no dia 10/11/2012 (sábado), Diogo pulou o muro de cerca de três metros que guarnecia a casa da vítima e, então, após ingressar clandestinamente na residência, subtraiu diversos pertences e valores, a saber: três anéis de ouro, dois relógios de ouro, dois aparelhos de telefone celular, um notebook e quinhentos reais em espécie, totalizando R$9.000,00 (nove mil reais).

Na audiência de instrução e julgamento, realizada em 29/08/2013 (quinta-feira), foram ouvidas duas testemunhas de acusação que, cada uma a seu turno, disseram ter visto Diogo pular o muro da residência da vítima e dali sair, cerca de vinte minutos após, levando uma mochila cheia. A defesa, por sua vez, não apresentou testemunhas.

Também na audiência de instrução e julgamento foi exibido um DVD contendo as imagens gravadas pelas câmeras de segurança presentes na casa da vítima, sendo certo que à defesa foi assegurado o acesso ao conteúdo do DVD, mas essa se manifestou no sentido de que nada havia a impugnar.

Nas imagens exibidas em audiência ficou constatado (dada a nitidez das mesmas) que fora Diogo quem realmente pulou o muro da residência e realizou a subtração dos bens. Em seu interrogatório o réu exerceu o direito ao silêncio.

Em alegações finais orais, o Ministério Público exibiu cópia de sentença prolatada cerca de uma semana antes (ainda sem trânsito em julgado definitivo, portanto), onde se condenou o réu pela prática, em 25/12/2012 (terça-feira), do crime de estelionato. A defesa, em alegações finais, limitou-se a falar do princípio do estado de inocência, bem como que eventual silêncio do réu não poderia importar-lhe em prejuízo. O Juiz, então, proferiu sentença em audiência condenando Diogo pela prática do crime de violação de domicílio em concurso material com o crime de furto qualificado pela escalada. Para a dosimetria da pena o magistrado ponderou o fato de que nenhum dos bens subtraídos fora recuperado. Além disso, fez incidir a circunstância agravante da reincidência, pois considerou que a condenação de Diogo pelo crime de estelionato o faria reincidente. O total da condenação foi de 4 anos e 40 dias de reclusão em regime inicial semi-aberto e multa à proporção de um trigésimo do salário mínimo. Por fim, o magistrado, na sentença, deixou claro que Diogo não fazia jus a nenhum outro benefício legal, haja vista o fato de não preencher os requisitos para tanto. A sentença foi lida em audiência.
O advogado(a) de Diogo, atento(a) tão somente às informações descritas no texto, deve apresentar o recurso cabível à impugnação da decisão, respeitando as formalidades legais e desenvolvendo, de maneira fundamentada, as teses defensivas pertinentes. O recurso deve ser datado com o último dia cabível para a interposição. (Valor: 5,0)


Como sempre fazemos, vamos começar identificando os elementos estruturais obrigatórios para a elaboração da peça prática.

1º CLIENTE – Diogo

2º CRIME(S) –
O problema informou que Diogo estava sendo processado pela prática dos crimes de violação de domicílio e de furto qualificado. Informou também uma condenação pelo crime de estelionato, mas que no contesto referia-se a outro processo.

O candidato deveria ficar atento ao fim da questão que dizia: “O Juiz, então, proferiu sentença em audiência condenando Diogo pela prática do crime de violação de domicílio em concurso material com o crime de furto qualificado pela escalada.”

Violação de domicílio
Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

OBS: No caso, vale lembrar que foi alegado concurso material entre os crimes imputados.

Concurso material
Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.


3.      AÇÃO PENAL: Superada a identificação dos crimes que foram imputados à Diogo, fica fácil a tarefa de buscar a espécie de ação penal.
A necessidade de se fazer tal verificação é para saber se a regra do artigo 100 do CP foi observada, caso contrário se terá uma tese de nulidade a ser alegada.


4.      RITO PROCESSUAL/PROCEDIMENTO: O problema não forneceu nenhum dado que fosse suficiente para alterar o rito processual comum. Desse modo, não se verifica no caso qualquer necessidade de se aplicar procedimento especial.
Mais uma vez, a necessidade de se fazer tal verificação é para se ter certeza que o procedimento correto foi seguido, caso contrário se descobriria uma tese de nulidade a ser arguida na elaboração da peça.

No caso, o procedimento correto era o comum ordinário.


5.      MOMENTO PROCESSUAL: Para se responder esse item o candidato deveria ficar atento com que o problema forneceu:

“Na audiência de instrução e julgamento, realizada em 29/08/2013 (quinta-feira), (...)
(...)O Juiz, então, proferiu sentença em audiência condenando Diogo pela prática do crime de violação de domicílio em concurso material com o crime de furto qualificado pela escalada.(...)
Por fim, o magistrado, na sentença, deixou claro que Diogo não fazia jus a nenhum outro benefício legal, haja vista o fato de não preencher os requisitos para tanto. A sentença foi lida em audiência.”

O que se pôde retirar do problema foi que no dia 29/08/2013, foi realizada audiência de instrução e julgamento que ao seu fim foi proferida sentença condenatória que foi lida em audiência.

Portanto, o momento processual visto no caso é justamente o de sentença condenatória definitiva, porém ainda, não transitada em julgado.

O próprio problema já disse no seu último parágrafo que se tratava de recurso: “O recurso deve ser datado com o último dia cabível para a interposição. (Valor: 5,0)”. Bastava o candidato ficar atento.


6.      PEÇA: Este sexto item depende da verificação feita anteriormente.

Já sabendo os crimes imputados, o procedimento seguido e principalmente o momento processual, é fácil a identificação da peça. No caso, a peça exigida é um recurso de apelação conforme artigo 593, inciso I do CPP.

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
I - das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular;

Quando recurso é cobrado o candidato deve ficar atendo não só para as teses, como também para formalidades do próprio recurso, haja vista que se isso não for feito corre-se o risco do recurso nem ser conhecido.

Seguindo o pressuposto procedimental a apelação é recurso que deve ser feito em duas petições: uma é a interposição que é dirigida ao juízo a quo; e a outra as razões recursais que são dirigidas ao juízo ad quem.


7.      COMPETÊNCIA: A questão da competência não foi vista de forma a complicar a resolução do problema.

A competência quanto ao recurso que deveria ser feito, obrigava o candidato ficar atento na hora de endereçar as petições (interposição/razões).

A primeira peça – interposição – deveria ter sido dirigida ao juízo que proferiu a decisão. Como o problema não informou cidade nem estado, bastava fazer o endereçamento genérico:

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Doutor(a) Juiz(íza) de Direito da ...Vara Criminal da Comarca de ... Estado do...

Já as razões, como são dirigidas ao tribunal superior correspondente, no caso Tribunal de Justiça, deveria apenas conter os cumprimentos de estilo:
Egrégio Tribunal de Justiça
Colenda Câmara Criminal
Douta Procuradoria de Justiça



8.     TESES: Enfim as teses.

Considerando as informações constantes no problema, as possíveis teses a serem alegadas caso seriam essas:


OBS: não houve tese preliminar!

Mérito

1ª tese – Defender que a condenação pelo crime de violação de domicílio não deveria se sustentar, posto que a figura da violação de domicílio no caso foi absorvida pelo crime de furto qualificado. A invasão de domicílio feita por meio de escalada foi elementar para se qualificar o crime de furto.

Desse modo, para se evitar bis in idem, Diogo deve ser apenado tão somente pelo crime do artigo 155, § 4º, inciso II do CP.

De igual modo não há que se falar em concurso de crimes.

OBS – O candidato deveria ficar atendo para o fato que julgando essa tese procedente, uma outra surge imediatamente como consequência que é sobre a fixação do regime.

O problema disse que a condenação foi de 4 anos e 40 dias, portanto, superior a quatro anos, tendo sido o regime semi-aberto. Embora não tenha o problema fornecido informações sobre a dosimetria feita para cada um dos crimes, é presumível, dada a proximidade, que retirando a condenação pelo crime de violação de domicílio, que a pena ficará em patamar inferior a quatro anos, o que permite a alteração do regime para o aberto na forma do artigo 33, § 2º, alínea “c” do CP que diz:

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

2ª tese –

Ainda sobre a questão do quantum de pena, há ainda outro ponto que deve ser abordado. Considerando agora tão somente a condenação pelo crime de furto qualificado, é preciso apontar para o erro praticado pelo magistrado que durante a dosimetria considerou Diogo reincidente.

A regra sobre a reincidência é clara. Artigo 63 do CP.

Reincidência
Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

O problema disse:
“Em alegações finais orais, o Ministério Público exibiu cópia de sentença prolatada cerca de uma semana antes (ainda sem trânsito em julgado definitivo, portanto), onde se condenou o réu pela prática, em 25/12/2012 (terça-feira), do crime de estelionato.”

Para poder utilizar a condenação pelo crime de estelionato para fins de reincidência na segunda fase da dosimetria, ela deveria ter transitado em julgado antes que Diogo viesse a praticar o crime de furto.

No caso, o que se viu foi que ela havia sido proferida cerca de uma semana antes da condenação pelo furto, e sequer havia transitado em julgado, o que impede sua utilização para fins de reincidência.
Novamente por não ter seu trânsito em julgado considera-se que é um processo que ainda esta tramitando, logo não poderia sequer ser utilizada na primeira fase como forma de elevar a pena base. Segundo súmula do STJ 444:
STJ Súmula nº 444
Vedação - Utilização de Inquéritos Policiais e Ações Penais em Curso para Agravar a Pena-Base
É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.


Desse modo, se deveria requer ao tribunal que refizesse a dosimetria retirando o aumento de pena em razão da reincidência.


3ª tese – Como consequência das duas teses anteriores que fizeram com que a pena ficasse abaixo de quatro anos. Surge ainda a possibilidade de se requerer a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, haja vista que o recorrente preenche todos os requisitos do artigo 44 do CP.

OBS: Como o problema não informou se Diogo esta preso ou solto, não se precisou fazer pedido de manutenção de liberdade. De igual modo, também não se viu necessidade de se estabelecer a fixação do valor indenizatório no mínimo.


9.      PEDIDOS: Quanto aos pedidos, seguindo a mesma ordem apresentada na petição, e claro sem esquecer os requisitos recursais, deve-se requerer que:

Na petição de interposição do recurso dirigida ao juízo a quo:

Requerer seja a presente apelação recebida e processada (...)

Na petição contendo as razões deve-se requerer à câmara que:

Seja conhecido e provido o presente Recurso de Apelação, para, reformando a respeitável decisão do juiz de primeiro grau, fosse excluída a condenação pelo crime de violação de domicílio haja vista ter sido ele absorvido pela figura do artigo 155, § 4º, inciso II do CP;

No tocando a dosimetria feita, seja desconsiderado acréscimo referente a agravante da reincidência.

Com as reduções esperadas, seja fixado regime aberto para o cumprimento da pena, segundo artigo 33, § 2º, alínea “c” do CP;

Como consequência das diminuições sobre a condenação, seja feita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista estarem satisfeitos todos os requisitos do artigo 44 do CP.

DATA
 O problema pediu para que o recurso fosse datado com o último dia de prazo para a interposição.

OBS – Caso o candidato estivesse em dúvida sobre a peça, o problema já havia dito que se tratava de recurso e que havia uma peça de interposição: “O recurso deve ser datado com o último dia cabível para a interposição. (Valor: 5,0)”

Bem, para se datar essa peça, o candidato deveria levar em consideração que tudo ocorreu na Audiência de Instrução e Julgamento: “realizada em 29/08/2013 (quinta-feira),”

Desse modo, considerando que a interposição do recurso de apelação possui prazo máximo de cinco dias, e considerando que a contagem do prazo exclui o início e inclui o último (art.798 do CPP), a contagem iniciaria no dia 30 (quinta-feira) e seguiria: 31(sexta-feira); 01/09/13 (domingo); 02/09/13 (segunda-feira); e terminaria em 03/09/2013 (terça-feira).

A data do recurso deveria ser 03/09/2013.

Essa questão da data poderia até ter confundido muita gente, primeiro porque era de 2013, e segundo porque o candidato deveria ficar atendo para o fato que o mês de agosto possui 31 dias.




 QUESTÃO 1
Gustavo, retornando para casa após ir a uma festa com sua esposa, é parado em uma blitz de rotina. Ele fica bastante nervoso, pois sabe que seu carro está com a documentação totalmente irregular (IPVA atrasado, multas vencidas e vistoria não realizada) e, muito provavelmente, o veículo será rebocado para o depósito. Após determinar a parada do veículo, o policial solicita que Gustavo saia do carro e exiba os documentos. Como havia diversos outros carros parados na fiscalização, forma-se uma fila de motoristas. Gustavo, então, em pé, na fila, aguardando sua vez para exibir a documentação, fala baixinho à sua esposa: “Vou ver se tem jogo. Vou oferecer cem reais pra ele liberara gente. O que você acha? Será que dá?”. O que Gustavo não sabia, entretanto, é que exatamente atrás dele estava um policial que tudo escutara e, tão logo acaba de proferir as palavras à sua esposa, Gustavo é preso em flagrante.
Atordoado, ele pergunta: “O que eu fiz?”, momento em que o policial que efetuava o flagrante responde: “Tentativa de corrupção ativa!”.
Atento(a) ao caso narrado e tendo como base apenas as informações descritas no enunciado, responda justificadamente, aos itens a seguir.
A) É correto afirmar que Gustavo deve responder por tentativa de corrupção ativa? (Valor: 0,70)
 B) Caso o policial responsável por fiscalizar os documentos, observando a situação irregular de Gustavo, solicitasse quantia em dinheiro para liberá-lo e, Gustavo, por medo, pagasse tal quantia, ele (Gustavo) responderia por corrupção ativa? (Valor: 0,55)

COMENTÁRIOS “A” - O candidato deveria ficar atento para os dados relatados, principalmente para não confundir nenhum dos crimes assemelhados. O problema disse que Gustavo estava apenas conversando com sua esposa sobre sua intenção de subornar o policial. No entanto, em nenhum momento disse que ele efetivamente praticara qualquer dos verbos contidos no artigo 333 do CP. Significa dizer que o crime na verdade não ocorreu porque na linha lógica de desdobramento do crime, o iter criminis, o crime sequer chegou na fase executória.
O fato do policial ter ouvido a conversa do casal, não satisfaz a necessidade de adequação típica. Ademais, outro detalhe que deveria ter sido visto, uma vez que a pergunta versa sobre a tentativa. Sabe-se que trata-se de um crime formal, isto é, cuja a tentativa só se verifica em raras exceções.

No caso relatado, não se pode dizer que houve tentativa, posto que se o Gustavo fizesse a oferta o crime já estaria consumado, pouco importando no caso o resultado.

Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.


COMENTÁRIOS “B” - Pela redação do artigo 333 do CP, fica claro que o pagamento feito em forma de suborno deve partir do particular para o funcionário público e não o contrário. A pergunta B altera o cenário da questão fazendo com que o policial passe a exigir o suborno.

Primeiro, por ter sido o policial quem exigiu o suborno, não se pode falar em corrupção ativa por parte de Gustavo que nesse caso foi vítima do crime do artigo 317 do CP.

Segundo, como vítima, o pagamento feito por Gustavo nesse caso não serve com elementar da corrupção ativa, mas tão somente de exaurimento do crime de corrupção passiva praticado pelo policial.

Desse modo a resposta deveria ser no sentido de que Gustavo não teve intenção, dolo, de praticar o crime do artigo 333 do CP, motivo pelo qual, frente a completa atipicidade da conduta não deveria responder pelo crime perguntado.

 Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

OBS: questão cobrando do candidato conhecimento sobre tipicidade, tema recorrente nas provas.



QUESTÃO 2
Antônio, auxiliar de serviços gerais de uma multinacional, nos dias de limpeza, passa a observar uma escultura colocada na mesa de seu chefe. Com o tempo, o desejo de ter aquele objeto fica incontrolável, razão pela qual ele decide subtraí-lo.
Como Antônio não tem acesso livre à sala onde a escultura fica exposta, utiliza-se de uma chave adaptável a qualquer fechadura, adquirida por meio de um amigo chaveiro, que nada sabia sobre suas intenções. Com ela, Antônio ingressa na sala do chefe, após o expediente de trabalho, e subtrai a escultura pretendida, colocando-a em sua bolsa.
Após subtrair o objeto e sair do edifício onde fica localizada a empresa, Antônio caminha tranquilamente cerca de 400 metros. Apenas nesse momento é que os seguranças da portaria suspeitam do ocorrido. Eles acham estranha a saída de Antônio do local após o expediente (já que não era comum a realização de horas extras), razão pela qual acionam policiais militares que estavam próximos do local, apontando Antônio como suspeito. Os policiais conseguem alcançá-lo e decidem revistá-lo, encontrando a escultura da sala do chefe na sua bolsa. Preso em flagrante, Antônio é conduzido até a Delegacia de Polícia.
Antônio, então, é denunciado e regularmente processado. Ocorre que, durante a instrução processual, verifica-se que a escultura subtraída, apesar de bela, foi construída com material barato, avaliada em R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), sendo, portanto, de pequeno valor. A FAC (folha de antecedentes criminais) aponta que Antônio é réu primário.
Ao final da instrução, em que foram respeitadas todas as exigências legais, o juiz, em decisão fundamentada, condena Antônio a 2 (dois) anos de reclusão pela prática do crime de furto qualificado pela utilização de chave falsa, consumado, com base no artigo 155, § 4º, III, do CP.
Nesse sentido, levando em conta apenas os dados contidos no enunciado, responda aos itens a seguir.

A) É correto afirmar que o crime de furto praticado por Antônio atingiu a consumação? Justifique. (Valor: 0,40)
B) Considerando que Antônio não preenche os requisitos elencados pelo STF e STJ para aplicação do princípio da insignificância, qual seria a principal tese defensiva a ser utilizada em sede de apelação? Justifique. (Valor: 0,85)

COMENTÁRIOS “A” - Para responder essa questão não bastava o candidato possuir e poder usar o código na hora da prova, se ele não soubesse falar acerca do momento consumativo do crime de furto.

Justamente por isso que a questão se torna controvertida. Segundo padrão de resposta divulgado pela FGV ela considerou como correta as respostas que indicavam a consumação do delito. Isso porque segundo posicionamento dos tribunais não há atualmente a necessidade do furtador ter a coisa subtraída em sua posse tranquila para que o furto se consume. Basta haver a subtração que o crime esta consumado. A doutrina por outro lado é bem divida.

Entretanto, essa pergunta deveria ser anulada ou pelo menos o seu padrão de resposta ser reconsiderado, posto que foge aos princípios da própria OAB. Se se trata de uma prova que tem o objetivo medir o conhecimento daquele que exercerá a advocacia na área escolhida, como o enunciado não pediu, como costuma fazer, posicionamento da jurisprudência nem tampouco o majoritário na doutrina, é razoável que também aceite a resposta do candidato que defendeu a tentativa do furto. Até porque pela forma que foi perguntado, não se exigindo posicionamento majoritário, tanto as respostas de sim pela consumação como as negativas, a depender das fundamentações, devem ser consideradas corretas.

Importante lembrar que a prova é da OAB e não da magistratura, polícia ou MP, por isso que a resposta mais coerente seria pela tentativa.

COMENTÁRIOS “B” - No caso, o candidato deveria trabalhar com a tese do furto de pequeno valor mesmo nas hipóteses de qualificação, é o que a doutrina classifica como furto qualificado privilegiado. O objetivo óbvio não será a absolvição, mas tão somente a considerável redução de pena.
Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

OBS: A pergunta “B” reforça nossa tese de que na primeira pergunta a resposta pela tentativa também deve ser aceita. Na “B” o objetivo era justamente demonstrar como que um advogado de defesa trabalharia uma tese secundária frente a impossibilidade da atipicidade material. O raciocínio e resposta exigidos nessa pergunta são compatíveis com o exercício da advocacia. Então, por que não se exigir o mesmo na pergunta “A”?



QUESTÃO 3
Jeremias foi preso em flagrante, no Aeroporto Internacional de Arroizinhos, quando tentava viajar para Madri, Espanha, transportando três tabletes de cocaína. Quando já havia embarcado na aeronave, foi "convidado" por Agentes da Polícia Federal a se retirar do avião e acompanhá-los até o local onde se encontravam as bagagens. Lá chegando, foi solicitado a Jeremias que reconhecesse e abrisse sua bagagem, na qual foram encontrados, dentro da
capa que acondicionava suas pranchas de surf, três tabletes de cocaína. Por essa razão, Jeremias foi processado e, ao final, condenado pela Justiça Federal de Arroizinhos por tráfico internacional de entorpecentes.
Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, foi expedido o mandado de prisão e Jeremias foi recolhido ao estabelecimento prisional sujeito à administração estadual, já que em Arroizinhos não há estabelecimento prisional federal. Transcorrido o prazo legal e, tendo em vista que Jeremias preenchia os demais requisitos previstos na legislação, seu advogado deseja requerer a mudança para regime prisional menos severo.
Responda de forma fundamentada, de acordo com a jurisprudência sumulada dos Tribunais Superiores: Qual Justiça é competente para processar e julgar o pedido de Jeremias? (Valor: 1,25)

A mera indicação da Súmula não pontua.

OBS: a própria questão já deixou claro que a resposta estaria no posicionamento sumulado. Exigência que não se viu na questão anterior.

COMENTÁRIOS: A resposta nesse caso é simples. A questão até tentou confundir o candidato fazendo parecer haver um conflito entre as justiças federal e estadual. Ocorre que o assunto versa sobre a execução penal, nesse caso, independente do crime pelo qual o agente tenha sido condenado o que determinará a competência de sua execução será do local (Estado) onde esta cumprindo sua pena.

Outrossim, era preciso ainda, conforme solicitado, fundamentar segundo posicionamento já sumulado. Nessa esteira se deveria fazer menção à súmula 192 do STJ que diz:
“Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentencia dos pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual.”

Desse modo, e considerando tais razões, a justiça indagada seria a Estadual.


QUESTÃO 4
Pedro foi preso em flagrante por tráfico de drogas. Após a instrução probatória, o juiz ficou convencido de que o réu, por preencher os requisitos do artigo 33, § 4º, da lei 11.343/2006, merecia a redução máxima da pena. Na sentença penal condenatória, fixou o regime inicialmente fechado ao argumento de que o artigo 2º, § 1º, da lei 8.072/90, assim determina, vedando a conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos, com base no próprio artigo 33, § 4º, da lei 11.343/2006. O advogado de Pedro é intimado da sentença.
À luz da jurisprudência do STF, responda aos itens a seguir.
A) Cabe ao advogado de defesa a impugnação da fixação do regime inicial fechado, fixado exclusivamente com base no artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90? (Valor: 0,60)
B) Com relação ao tráfico-privilegiado, previsto na Lei nº 11.343/06, artigo 33, § 4º, é possível a conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos? (Valor: 0,65)


OBS: Mais uma vez a FGV foi categórica em exigir nessa questão, diferentemente do que se viu na questão 2, posicionamento jurisprudencial.

COMENTÁRIOS “A” – A resposta aqui deve ser positiva posto que a abstração utilizada para estabelecer o regime inicial fechado nesses casos já foi considerada inconstitucional pelo supremo quando julgava um HC. O que se ponderou foi que a fixação do regime inicial de cumprimento de pena deve estar pautado na real situação do condenado.

COMENTÁRIOS “B” – A resposta aqui também deveria ser positiva posto que há muito tempo que o Supremo já estabeleceu como possível a conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direitos mesmo em se tratando de tráfico de drogas, desde que observados os requisitos necessários para a conversão.


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