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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

sexta-feira, 25 de abril de 2014

As Mazelas do Processo Penal – #3ª PARTE




O Lugar Dos Sujeitos Processuais

Seguindo com o estudo sobre as mazelas do processo penal, vale mencionar outro ponto que normalmente não é confrontado, pelo menos não como deveria. Na verdade acaba se passando como algo normal no dia a dia dos fóruns.

O assunto em questão refere-se ao lugar que cada sujeito processual ocupa dentro do ambiente jurídico, mais especificamente em uma audiência. Por que juiz e promotor ficam um do lado do outro, enquanto que advogado e acusado ficam numa espécie de sub-nível?

A forma com que hoje ainda se mantém a disposição de cada lugar dentro de uma sala de audiência nos remete na verdade à época onde se tinha como regra o modelo inquisitório, onde não se fazia distinção de quem acusava e de quem julgava, pois tais funções eram exercidas por uma única pessoa. Ocorre que graças à implantação do modelo acusatório, acusador e julgador passaram a ser pessoas diferentes, cada qual com sua função específica.

Analisando o Código de Processo Penal, verifica-se que primando pelo modelo acusatório fez ele por deixar certa a função que cada um dos sujeitos desempenharia no processo penal, o juiz nos artigos 251/256, já a função do Ministério Público nos artigos 257/258, e ainda a função e o papel do advogado e do acusado nos artigos 259/267. Verifica-se inclusive o cuidado do legislador em se especificar quais atos bem como sua respectiva ordem de realização nas audiências e isso em todos os seus procedimentos.

Mas de outro modo, contrastando com todo esse zelo do legislador, que na verdade é uma garantida do acusado, mesmo diante de toda essa especificação, ainda sim, não encontramos na lei a resposta para a pergunta feita: Por que juiz e promotor ficam um do lado do outro, enquanto que advogado e acusado ficam numa espécie de sub-nível?

Já chamando a atenção para um fato, antes que isso seja interpretando como uma forma de se traduz hierarquia ou mesmo grau de importância, vale desde logo referendar o que diz o artigo 6ª do EOAB, que estabelece não haver hierárquia entre juiz, promotor e advogado. Portanto, já sabemos com isso que os lugares referendados não guardam qualquer relação com hierarquias. Mas ainda assim, por que seus lugares dizem o contrário?

Sobre isso, o saudoso Jurista Francesco Carnelutti, ao descrever: As Misérias do Processo Penal, focando em especial a função do advogado criminal, disse:

“Deixemos claro: a experiência do advogado está sob o signo da humilhação. Ele veste, porém, a toga; ele colabora, entretanto, para a administração da justiça; mas o seu lugar é embaixo; não no alto. Ele divide com o acusado a necessidade de pedir e de ser julgado. Ela está sujeito ao juiz, como está sujeito o acusado.

Mas justamente por isso a advocacia é um exercício espiritualmente salutar. Pesa a obrigação de pedir, mas recompensa. Habitua-se a suplicar. O que é mais senão um pedir a suplica? A soberba é o verdadeiro obstáculo à suplicação; e a soberba é uma ilusão de poder. Não há nada melhor que advocacia para sanar tal ilusão de potência. O maior dos advogados sabe não poder nada frente ao menor dos juízes; entretanto, o menor dos juízes é aquele que o humilha mais”.

Não há na lei nada que determine que o ministério público deva ficar à direito do Juiz, e tampouco que acusado e defesa devam ficar em nível inferior. O que há, conforme já foi dito, é a perpetuação de velhos dogmas, dogmas esses são passados desde a época onde reinava o modelo inquisitório.

Importante dizer que por mais que se tenha implementado, pelo menos em teoria, o modelo acusatório, para o acusado que se senta em audiência para ver-se defendido, para ele, o sistema que vige é de fato o inquisitório, posto que ainda que sejam pessoas diferentes o fato de sentarem-se lado a lado em uma audiência, é para ele com se uma única pessoa estivesse ali, até porque em muitos momentos de uma audiência tanto a fala como a postura, tanto do parquet como a do juiz acabam se confundido.

Para os que possuem certo nível de conhecimento sobre a questão conseguem entender e distinguir as funções exercidas tanto pelo juiz como pelo promotor. Mas para o acusado, não há diferença, e resultado dessa confusão muitas vezes posse ser traduzido por certos gestos comportamentais e que para o juiz pode até indicar culpabilidade. Isso tudo por conta de um processo de marginalização que ocorre com o simples fato de se entrar em uma audiência.

Separou-se os personagens do acusado e julgador, mas mantiveram o lugar que originalmente ocupavam.
Certamente, mais adequado seria se a acusação e a defesa estivessem igualados, pelo menos sob o ponto de vista do lugar que ocupam em audiência, uma vez que de outro modo isso não é possível. Deixar o acusador ao lado de quem irá julgar justamente a denúncia feita pelo Estado, é por certo dar vantagem a quem já esta na frente, é beneficiar o beneficiado, ou seja, a contrário senso e tornar ainda mais difícil a vida daquele que já tem sua vida revirada por um processo penal.

Costuma se falar em paridade de armas no processo penal, acusação e defesa devem dispor dos mesmos meios para provarem aquilo que sustentam em juízo. Ocorre que essa máxima não existe e a bem da verdade ela não passa de uma falácia. A começar pelo fato de que não se pode medir a acusação com a mesma régua da defesa, dada a desproporção entre elas.

Por mais competente que seja a defesa técnica de um acusado, dizer que ela se iguala à acusação é por certo um equívoco, pois a força do acusador é sempre maior, e isso porque ele tem como suporte o próprio Estado. Logo, como querer equilibrar uma relação que já é desequilibrada na sua essência, para se chegar a essa conclusão basta buscar no processo penal aquele que dispõe de recursos infindáveis para provar aquilo que se alega, a resposta é óbvia, claro que o Estado, ou melhor, a acusação.

Vale citar ainda a instituição do júri que traz o formato clássico onde cada qual já possui sua posição determinada, diga-se, posições pautadas unicamente em costumes e não na lei. Note que também no júri o acusador senta-se ao lado do juiz, mas importante dizer que ali não é o juiz de direito que irá julgar, mas sim os juízes de fato que formam o conselho de sentença.

Diferente do que foi visto até agora, aos olhos dos jurados, acusação e defesa estão mais equilibrados, ainda que o manto da marginalidade esteja sobre o acusado nesse momento, comparado com os demais procedimentos que estamos falando, no júri acusação e defesa dispõe de tempo igual, onde cada qual aproveitará da melhor forma possível. Outrossim, como regra, são os jurados que ficam em nível superior e enxergam acusador e defesa na mesma trincheira que é o plenário, possibilitando assim que tomem como iguais as razões ali apresentadas, mesmo que uma das vozes seja do Estado.

E é por isso que concluímos com muita tranquilidade que permitir que acusador fique ao lado do julgador é por certo prejudicial para a defesa. Pensemos da seguinte forma, vejamos a questão sobre o seguinte prisma: sentado ao lado do juiz, o acusador é para ele como um igual diferenciando-o do acusado, isto é, ambos são superiores ao acusado que esta marginalizado em nível inferior. Por esse motivo, tudo aquilo que é dito pelo acusador durante a audiência é tomado pelo julgador com um peso completamente diferente de tudo aquilo que é dito pela defesa.

Agora, se acusador e defesa figurassem aos olhos do julgador em um mesmo plano de visão, com certeza a imagem do acusado no processo penal seria outra. Principalmente porque as vozes tanto da acusação como da defesa soariam de um mesmo lugar e atingiram o juiz com a mesma força. Isto é, vozes que por estarem no mesmo nível soariam com a mesma força e intensidade nos ouvidos do julgador, possibilitando assim com que ele possa receber e processar com maior imparcialidade e desprendimento tudo que é dito.

Feito isso, superamos mais essa mazela. Muito importante que continuemos firmes nos estudos. O principal objetivo de chamarmos a atenção para esses pontos que estamos chamado de “mazelas” é principalmente para que aprendamos a ver o processo penal com outros olhos, ou melhor, que passemos a enxergá-lo com nossos próprio olhos. Aprendendo a identificar aquilo que de fato não funciona, e não simplesmente aceitando o modelo posto pelo simples fato de já esta pronto.
Aquilo que não é criticado não é mudado, temos sim que criticar aquilo que não esta bom, para que assim, um dia quem sabe, ele passe a ser como deveria.

Sendo assim, vamos continuar firmes nos estudos das mazelas. Como nosso mestre o professor Luiz Flávio Gomes sempre nos diz: AVANTE!
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CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Tradução de José Antônio Cardinalli. Campinas: Bookseller, 2002.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

PROVA DA OAB - XIII EXAME UNIFICADO - FGV -


Questões De Direito Penal E Processo Penal Corrigidas E Comentadas



Correção feita com base na PROVA TIPO 1 – COR BRANCA

QUESTÃO 59 – Paulo tinha inveja da prosperidade de Gustavo e, certo dia, resolveu quebrar o carro que este último havia acabado de comprar. Para tanto, assim que Gustavo estacionou o veículo e dele saiu, Paulo, munido de uma barra de ferro, foi correndo em direção ao bem para danificá-lo. Ao ver a cena, Gustavo colocou-se à frente do carro e acabou sendo atingido por um golpe da barra de ferro, vindo a falecer em decorrência de traumatismo craniano derivado da pancada. Sabe-se que Paulo não tinha a intenção de matar Gustavo e que este somente recebeu o golpe porque se colocou à frente do carro quando Paulo já estava com a barra de ferro no ar, em rápido movimento para atingir o veículo, que ficou intacto.

Com base no caso relatado, assinale a afirmativa correta.

 A) Paulo responderá por tentativa de dano em concurso formal com homicídio culposo.
ALTERNATIVA INCORRETA – A questão possui uma redação dúbia, tanto que as alternativas tentam induzir o tema concurso de crimes. Essa primeira alternativa traz como cerne o concurso formal de crimes que, em síntese, significa que o indivíduo com uma única ação produz dois ou mais resultados. No caso, a alternativa tenta passar a ideia que houve concurso entre o crime de dano e o homicídio.

O candidato deve estar atento para os dados do problema: primeiro a intenção de Paulo era tão somente danificar o carro de Gustavo; e segundo, pelo fato de Gustavo ter se colocado entre Paulo e o carro, o crime de dano não ficou evidente. De modo que não houve concurso de crimes.

Fazendo essa análise o candidato não só eliminaria essa alternativa como também as outras que fossem semelhantes.

B) Paulo responderá por homicídio doloso, tendo agido com dolo eventual.
ALTERNATIVA INCORRETA – O Problema frisou bem que “Paulo não tinha a intenção de matar Gustavo e que este somente recebeu o golpe porque se colocou à frente do carro quando Paulo já estava com a barra de ferro no ar”, isso deixa claro e de igual modo afasta completamente e invocação do dolo eventual no caso.

C) Paulo responderá por homicídio culposo.
ALTERNATIVA CORRETA – Essa alternativa representa bem aquilo que exatamente aconteceu no problema. Sabemos que a tipicidade comporta como elementos subjetivos o dolo e a culpa. Como o dolo foi afastado do caso, inclusive em sua vertente de eventualidade, não restou outra invocação a ser feita no caso, senão a culpa, haja vista que o crime de homicídio faz previsão da modalidade culposa.

D) Paulo responderá por tentativa de dano em concurso material com homicídio culposo.
ALTERNATIVA INCORRETA – vide justificativa da alternativa “A”.


QUESTÃO 60 – Maria, jovem de 22 anos, após sucessivas desilusões, deseja dar cabo à própria vida. Com o fim de desabafar, Maria resolve compartilhar sua situação com um amigo, Manoel, sem saber que o desejo dele, há muito, é vê-la morta. Manoel, então, ao perceber que poderia influenciar Maria, resolve instigá-la a matar-se. Tão logo se despede do amigo, a moça, influenciada pelas palavras deste, pula a janela de seu apartamento, mas sua queda é amortecida por uma lona que abrigava uma barraca de feira. Em consequência, Maria sofre apenas escoriações pelo corpo e não chega a sofrer nenhuma fratura. 
Considerando apenas os dados descritos, assinale a afirmativa correta.

A) Manoel deve responder pelo delito de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio em sua forma consumada.
ALTERNATIVA INCORRETA – A questão exigia do candidato um conhecimento específico sobre a redação dos preceitos que compõe o artigo 122 do CP. A princípio a questão até poderia induzir o candidato em erro posto que pensando num campo lógico, o crime em tese teria ocorrido posto que instigação para o ato suicida foi eficaz. Ocorre que ainda que a instigação tenha sido perfeita, se não ocorrer exatamente aquilo que esta na redação do artigo 122 do CP, não se poderá imputar ao instigador, no caso Manoel, qualquer responsabilidade penal.

A imputação feita em desfavor de Manoel só seria possível caso Maria tivesse morrido, ou então, sofrido lesões corporais de natureza grave. Como no caso não ocorreu nem um nem outro, a alegação da instigação ao suicídio não se sustenta.

B) Manoel deve responder pelo delito de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio em sua forma tentada.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide justificativa da alternativa “A”.

C) Manoel não possui responsabilidade jurídico-penal, pois Maria não morreu e nem sofreu lesão corporal de natureza grave.
ALTERNATIVA CORRETA Bastava o candidato lembrar da composição do artigo 122 do CP, que saberia exatamente que tanto o homicídio com a lesão corporal grave, são condições necessárias para a responsabilização penal de alguém pelo crime de instigação, induzimento e ou auxílio ao suicídio.

D) Manoel, caso tivesse se arrependido daquilo que falou para Maria e esta, em virtude da queda, viesse a óbito, seria responsabilizado pelo delito de homicídio.
ALTERNATIVA INCORRETA – Alternativa feita simplesmente para confundir o candidato, trazendo a tona a figura do arrependimento e também do crime de homicídio. Repito, essa alternativa foi feita apenas para complicar a vida do candidato indeciso.


QUESTÃO 61 – Jaime, objetivando proteger sua residência, instala uma cerca elétrica no muro. Certo dia, Cláudio, com o intuito de furtar a casa de Jaime, resolve pular o referido muro, acreditando que conseguiria escapar da cerca elétrica ali instalada e bem visível para qualquer pessoa. Cláudio, entretanto, não obtém sucesso e acaba levando um choque, inerente à atuação do mecanismo de proteção. Ocorre que, por sofrer de doença cardiovascular, o referido ladrão falece quase instantaneamente. Após a análise pericial, ficou constatado que a descarga elétrica não era suficiente para matar uma pessoa em condições normais de saúde, mas suficiente para provocar o óbito de Cláudio, em virtude de sua cardiopatia.

Nessa hipótese é correto afirmar que:
A) Jaime deve responder por homicídio culposo, na modalidade culpa consciente.
ALTERNATIVA INCORRETA – Alternativa completamente errada. Não se pode no caso invocar qualquer modalidade de culpa, ainda mais aquela chamada de consciente que serve para explicar situação onde o individuo até faz previsão de um resultado, mas acredita que conseguirá evitá-lo.

No problema, verificou-se que o agente não agiu com inobservância de um dever objetivo de cuidado, e tampouco fez previsão de algo objetivamente previsível.

B) Jaime deve responder por homicídio doloso, na modalidade dolo eventual.
ALTERNATIVA INCORRETA – O raciocínio feito anteriormente serve perfeitamente aqui, com o cuidado apenas de separar dolo e culpa.

Se o agente não fez previsão do resultado que possibilitasse a invocação da culpa consciente, o mesmo se aplica na verificação e invocação do dolo eventual.

C) Pode ser aplicado à hipótese o instituto do resultado diverso do pretendido.
ALTERNATIVA INCORRETA – Não há que se falar em resultado diverso do pretendido, posto que em momento algum o problema disse que ele deseja  resultado morte ou mesmo que desprezava esse resultado casso viesse a ocorrer.

Na verdade, até se poderia presumir que o resultado desejado por ele fosse a proteção de sua propriedade.

D) Pode ser aplicado à hipótese o instituto da legítima defesa preordenada.
ALTERNATIVA CORRETA – O problema traz novamente assunto ligado as causas de exclusão da ilicitude, ressaltando dessa a vez a vertente que visa a proteção patrimonial, qual seja, a legítima defesa preordenada feita por meio de ofendículos.

No caso, é perfeitamente possível a verificação dessa modalidade de legítima defesa posto que o problema deixou claro que os cuidados necessários foram observados, tais como a visibilidade ostensiva dos aparatos defensivos, bem como a não letalidade dos meios.

A morte de Cláudio não poderá ser imputada a Jaime, tendo em vista estar este amparado por uma causa que exclui a aparente ilegalidade do ato.

QUESTÃO 62 – A respeito do benefício da suspensão condicional da execução da pena, assinale a afirmativa incorreta.
A) Não exige que o crime praticado tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa.
AFIRMATIVA VERDADEIRA – Não se confunda, o problema pede que seja marcada a alternativa incorreta. Realmente a suspensão condicional da pena não faz qualquer menção ao crime ter sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Nem os dispositivos do Código Penal falam a respeito como também os artigos da Lei. 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

B) Não pode ser concedido ao reincidente em crime doloso, exceto se a condenação anterior foi a pena de multa.
AFIRMATIVA VERDADEIRA – A primeira parte da alternativa faz menção ao artigo 77, inciso I do Código Penal, enquanto que a segunda parte fala exatamente do que se vê no § 1º do mesmo artigo. Alternativa correta e por isso não deveria ter sido marcada.

C) Somente pode ser concedido se não for indicada ou se for incabível a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.
AFIRMATIVA VERDADEIRA – Realmente a suspensão condicional da pena possui caráter subsidiário em relação às penas restritivas de direito, só devendo a execução da pena ser suspensa caso a substituição por uma pena restritiva de direitos não tenha sido feita. Isso esta previsto no artigo 77, inciso III do Código Penal.

D) Sobrevindo, durante o período de prova, condenação irrecorrível por crime doloso, o benefício será revogado, mas tal período será computado para efeitos de detração.
AFIRMATIVA FALSA Realmente a nova condenação irrecorrível apresenta-se como causa de revogação do benefício, conforme artigo 81, inciso I do Código Penal, entretanto, esse período de suspensão não poderá ser computado para fins de detração.

A detração segundo artigo 42 do Código Penal, considera tão somente o tempo de prisão que o indivíduo tenha tido antes de ser condenado.

Por estar incorreta é essa que o candidato deveria assinalar.


QUESTÃO 63 – Considere que determinado agente tenha em depósito, durante o período de um ano, 300 kg de cocaína. Considere também que, durante o referido período, tenha entrado em vigor uma nova lei elevando a pena relativa ao crime de tráfico de entorpecentes. Sobre o caso sugerido, levando em conta o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, assinale a afirmativa correta.
A) Deve ser aplicada a lei mais benéfica ao agente, qual seja, aquela que já estava em vigor quando o agente passou a ter a droga em depósito.
ALTERNATIVA INCORRETA – Mais uma vez a FGV exige conhecimento jurisprudencial. Na verdade deveria o candidato ter conhecimento da Súmula 711 do STF que diz:

“A lei mais grave aplica-se ao crime continuado, permanente se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.”

A alternativa, portanto esta errada posto que a lei que deverá ser aplicada no caso será a mais grave.

B) Deve ser aplicada a lei mais severa, qual seja, aquela que passou a vigorar durante o período em que o agente ainda estava com a droga em depósito.
ALTERNATIVA CORRETA – Vide fundamentação da alternativa “A”. OBS: Súmula 711 do STF.

C) As duas leis podem ser aplicadas, pois ao magistrado é permitido fazer a combinação das leis sempre que essa atitude puder beneficiar o réu.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide fundamentação da alternativa “A”.

D) O magistrado poderá aplicar o critério do caso concreto, perguntando ao réu qual lei ele pretende que lhe seja aplicada por ser, no seu caso, mais benéfica.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide fundamentação da alternativa “A”.


QUESTÃO 64 – Analise os fragmentos a seguir:
I. João constrange Maria, por meios violentos, a ter com ele relação sexual. Em virtude da violência empregada para a consumação do ato, Maria sofre lesões corporais de natureza grave que a levam a óbito.
II. Joaquim constrange Benedita, por meio de grave ameaça, a ter com ele relação sexual. Após o coito Benedita falece em decorrência de ataque cardíaco, pois padecia, desde criança, de cardiopatia grave, condição desconhecida por Joaquim.
A partir das situações apresentadas nos fragmentos I e II, os delitos cometidos são, respectivamente,
A) estupro qualificado pelo resultado morte e estupro qualificado pelo resultado morte.
ALTERNATIVA INCORRETA – O cerne da questão é justamente o conhecimento prévio da concausa superveniente. Isto é, no segundo caso Joaquim conhecia o problema de Benedita? Sobre isso o próprio problema já respondeu dizendo: “condição desconhecida por Joaquim.”.

Essa era mais uma questão que exigia do aluno uma análise para se verificar a imputação a ser feita. Nos dois casos verifica-se a prática do crime de estupro, ocorre que no primeiro, em decorrência específica ou como resultado dos métodos violentos empregados por João, a vítima veio a falecer, revelando-se assim perfeito nexo entre a primeira conduta e o resultado morte. De modo que no primeiro caso, o agente realmente deverá responder também pelo resultado morte.

Por outro lado, no segundo caso, não se pode imputar o resultado morte sobre Joaquim, tendo em vista que ele desconhecia completamente a cardiopatia que desencadeou a morte da vítima. A pergunta que deveria ser feita é a seguinte: não fosse essa cardiopatia teria a vítima morrido em decorrência do estupro? Como a resposta é não, tal resultado não poderia ser imputado a Joaquim. Portanto, no segundo caso, Joaquim deverá ser responsabilizado pelo estupro e não pelo resultado morte. Estupro “simples”.

B) estupro em concurso com lesão corporal seguida de morte e estupro simples.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide justificativa da alternativa “A”.

C) estupro qualificado pelo resultado morte e estupro em concurso com homicídio preterdoloso.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide justificativa da alternativa “A”.

D) estupro qualificado pelo resultado morte e estupro simples.
ALTERNATIVA CORRETA vide justificativa da alternativa “A”.


QUESTÃO 65 – Em determinada ação penal privada, na qual se apura a prática dos delitos de calúnia e difamação, a parte não apresenta, em alegações finais, pedido de condenação em relação ao delito de calúnia, fazendo-o tão somente em relação ao delito de difamação. Com relação ao caso apresentado, assinale a afirmativa correta.
 A) Ocorreu a perempção em relação ao delito de calúnia.
ALTERNATIVA CORRETA – O artigo 60, inciso III do Código de Processo Penal é taxativo quando explica o fenômeno da perempção, e muito claro quando diz que em se tratando de ação penal privada caso o autor da ação não formule pedido de condenação em sede de alegações finais a ação estará perempta, ou como no caso, a perempção alcançará apenas o crime cuja condenação não foi solicitada.

B) Não ocorreu perempção em relação a nenhum delito.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide justificativa da alternativa “A”.

C) Ocorreu o perdão tácito em relação ao delito de calúnia.
ALTERNATIVA INCORRETA – Segundo o § 1º do artigo 106 do Código Penal “Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação.” O perdão nada mais é do que uma desculpa tardia, o titular da ação penal privada desculpa o autor do crime depois de já iniciada a ação. Fala-se tardia porque quem perdoa já deu início ao processo, caso fosse antes seria renúncia.

Na narrativa vista no problema não se observou qualquer iniciativa do titular da ação em perdoar o acusado (expressa/tácita) pelo crime de calúnia. O que se observou foi de fato o fenômeno da perempção.

D) Não ocorreu perempção, mas, sim, renúncia em relação ao delito de calúnia.
ALTERNATIVA INCORRETA – Assim como falamos na alternativa anterior o problema não deu qualquer sinal que o autor da ação tivesse perdoado e tampouco renunciado. Bastaria o candidato lembrar que não se pode renunciar algo já feito. Se o titular da ação penal privada já iniciou o processo não se pode mais falar em renúncia, mas sim em perdão.

A alternativa esta errada posto que a renúncia só pode ser vista antes do processo.


QUESTÃO 66 – Carolina, voltando do Paraguai com diversas mercadorias que configurariam o crime de contrabando, entra no país pela cidade de Foz do Iguaçu (PR). Em lá chegando, compra uma passagem de ônibus para a cidade de São Paulo e segue, posteriormente, para o Rio de Janeiro, sua cidade natal, quando é surpreendida por policiais federais que participavam de uma operação de rotina na rodoviária. Os policiais, então, apreendem as mercadorias e conduzem Carolina à Delegacia Policial.
Na hipótese, assinale a alternativa que indica o órgão competente para proceder ao julgamento de Carolina.
A) A Justiça Federal de Foz de Iguaçu.
ALTERNATIVA INCORRETA – Considerando que tratar-se de um crime de interesse da união, deve ele ser processado por meio da Justiça Federal. O simples fato de ter Carolina entrado no país pela cidade de Foz do Iguaçu já poderia induzir o candidato em erro. Contudo, mesmo a questão não tendo feito exigência de conhecimento jurisprudencial, a resposta da presente questão se faz mediante conhecimento da súmula 151 do STJ que diz:

“A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens..”

B) A Justiça Federal do Rio de Janeiro.
ALTERNATIVA CORRETA – Considerando que Carolina foi presa na cidade do Rio de Janeiro, e considerando o teor da súmula 151 do STJ, será essa seção judiciária a competente para o feito.

C) A Justiça Federal de São Paulo.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide fundamentação da alternativa “A”.

D) Qualquer das anteriores, independentemente da regra da prevenção.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide fundamentação da alternativa “A”.


QUESTÃO 67 – Fernanda, durante uma discussão com seu marido Renato, levou vários socos e chutes. Inconformada com a agressão, dirigiu-se à Delegacia de Polícia mais próxima e narrou todo o ocorrido. Após a realização do exame de corpo de delito, foi constatada a prática de lesão corporal leve por parte de Renato. O Delegado de Polícia registrou a ocorrência e requereu as medidas cautelares constantes no Artigo 23 da Lei nº 11.340/2006. Após alguns dias e com objetivo de reconciliação com o marido, Fernanda foi novamente à Delegacia de Polícia requerendo a cessação das investigações para que não fosse ajuizada a ação penal respectiva.
Diante do caso narrado, de acordo com o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, assinale a afirmativa correta.
A) No âmbito da Lei Maria da Penha, nos crimes de lesão corporal leve, a ação penal é condicionada à representação. Desta forma, é possível a sua retratação, pois não houve o oferecimento da denúncia.
ALTERNATIVA INCORRETA – O candidato deveria neste caso ter conhecimento sobre o julgamento ocorrido no STF da ADI 4424, onde se afastou completamente a aplicação da Lei nº 9.099/95 nos casos de lesão corporal leve. Após tal julgamento se firmou entendimento que nesses casos os crimes serão processados por meio de ação penal pública incondicionada.

B) No âmbito da Lei Maria da Penha, nos crimes de lesão corporal leve, a ação penal é pública incondicionada, sendo impossível interromper as investigações e obstar o prosseguimento da ação penal.

ALTERNATIVA CORRETA – Vide justificativa da alternativa “A”.

C) No âmbito da Lei Maria da Penha, nos crimes de lesão corporal leve, a ação penal é pública incondicionada, mas é possível a retratação da representação antes do oferecimento da denúncia.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide justificativa da alternativa “A”.

D) No âmbito da Lei Maria da Penha, nos crimes de lesão corporal leve, a ação penal é pública condicionada à representação, mas como os fatos já foram levados ao conhecimento da autoridade policial será impossível impedir o prosseguimento das investigações e o ajuizamento da ação penal.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide justificativa da alternativa “A”.


QUESTÃO 68 – Felipe foi reconhecido em sede policial por meio de fotografia como o autor de um crime de roubo. O inquérito policial seguiu seus trâmites de forma regular e o Ministério Público decidiu denunciar o indiciado. O oficial de justiça procurou em todos os endereços constantes nos autos, mas a citação pessoal ou por hora certa foram impossíveis. Assim, o juiz decidiu pela citação por edital. Marcela, irmã de Felipe, ao passar pelo fórum leu a citação por edital e procurou um advogado para tomar ciência das consequências de tal citação, pois ela também não sabe do paradeiro do irmão.
Diante da situação descrita, acerca da orientação a ser dada pelo advogado, assinale a afirmativa correta.
A) Felipe deve comparecer em juízo, sob pena de ser processado e condenado sem que seja dada oportunidade para a sua defesa.
ALTERNATIVA INCORRETA – Conforme se viu na redação do problema, por estar em local incerto e não sabido foi o acusado citado por edital. Por ter sido feito desse modo, a consequência caso não compareça será aquela vista no artigo 366 do Código de Processo Penal que diz:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

Logo, da forma com que se tratou no problema, não existe a possibilidade do processo continuar seu trâmite contra o acusado, justamente para que o seu direito de defesa esteja garantido.

B) Se Felipe não comparecer e não constituir advogado, o processo e o curso do prazo prescricional ficarão suspensos, sendo decretada a sua prisão preventiva de forma automática.
ALTERNATIVA INCORRETA – Aproveitando a redação do artigo 366 do Código de Processo Penal, não se terá a decretação da prisão de forma automática.

Muito embora na prática se saiba que isso ocorra quase que automaticamente, não se pode considerar tal fato como verdadeiro, posto que ainda que o acusado esteja em local certo e não sabido a decisão que decreta sua prisão deverá ser fundamentada e bem solidificada conforme artigo 312. Outrossim, ainda na redação do artigo, observa-se que mesmo nesse caso o legislador ressaltou o caráter subsidiário da prisão quando disse: “se for o caso”, e se for o caso decreta-se a prisão. Portanto ela não é automática.

Caso fosse realmente automática não se exigiria sequer fundamentação. Por isso a alternativa esta errada.

C) Se Felipe não comparecer e não constituir advogado, o processo e o curso do prazo prescricional ficarão suspensos, sendo determinada a produção antecipada de provas de forma automática, diante do risco do desaparecimento das provas pelo decurso do tempo.
ALTERNATIVA INCORRETA – Aproveitando-se mais uma vez da redação do artigo 366 do Código de Processo Penal, vale observar quando o mesmo diz: “(…)podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes (…)”. A produção antecipada de provas só poderá ocorrer caso fique comprovada a urgência da medida. Caso fosse automática, não se precisaria comprovar qualquer tipo de urgência, por isso a alternativa esta errada.

D) Se Felipe não comparecer e não constituir advogado, o processo e o curso do prazo prescricional ficarão suspensos e, se for urgente, o juiz determinará a produção antecipada de provas, podendo decretar a prisão preventiva se presentes os requisitos expressos no artigo 312, do CPP.
ALTERNATIVA CORRETA – Perfeita adequação com a norma vista no artigo 366 do Código de Processo Penal.


QUESTÃO 69 – João foi denunciado pela prática de crime de furto simples. Na denúncia, o Ministério Público apenas narrou que houve a subtração do cordão da vítima, indicando hora e local. Na audiência de instrução e julgamento, a vítima narrou que João empurrou-a em direção ao chão dizendo que se gritasse “o bicho ia pegar”, arrancando, em seguida, o seu cordão. Diante da narrativa da violência e da grave ameaça, o juiz fica convencido de que houve crime de roubo e não de furto.
Sobre o caso apresentado, de acordo com o Código de Processo Penal, assinale a afirmativa correta.
A) O juiz na sentença poderá condenar João pelo crime de roubo, com base no artigo 383 do CPP, que assim dispõe: “O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”.
ALTERNATIVA INCORRETA – A alternativa não esta de toda errada, ocorre que sua aplicação fica condicionada aos casos onde for verificada a hipótese de emendatio libelli. No caso, podemos observar que houve de fato completa alteração da figura jurídica em análise, o que faz com seja caso de mutatio libelli conforme artigo 384 do Código de Processo Penal, que diz:

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.

B) Encerrada a instrução probatória, o Ministério Público deverá aditar a denúncia em 5 (cinco) dias. Se o Ministério Público ficar inerte, o juiz deve aplicar o artigo 28 do CPP.
ALTERNATIVA CORRETA Por ter sido verificada definição jurídica diversa daquela constante na denúncia é exatamente isso que o Ministério Público deverá fazer, tal como descrito na redação do artigo 384 do Código de Processo Penal.

C) Encerrada a instrução probatória, o Ministério Público deverá aditar a denúncia em 5 (cinco) dias. Se o Ministério Público ficar inerte, o juiz poderá condenar João pelo crime de roubo, tendo em vista que a vítima narrou a agressão em juízo.
ALTERNATIVA INCORRETA – Caso o Ministério Público não cumpra o disposto no artigo 384 do Código de Processo Penal, ao invés de condenar o acusado pelo crime de roubo o juiz deverá agir nos mesmos moldes do artigo 28 do Código de Processo Penal.

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

D) O juiz poderá condenar João pelo crime de roubo, independentemente de qualquer providência, em homenagem ao princípio da verdade real.
ALTERNATIVA INCORRETA – Vide fundamentações anteriores.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

CIDADE DO ESPÍRITO SANTO DETERMINA TOQUE DE RECOLHER

Até que ponto a liberdade pode ser restringida sem que isso configure violação ao direito constitucional?

Essa pergunta me tem sido recorrente depois que a Câmara Municipal de Guarapari, cidade do litoral do Espírito Santo, aprovou em fevereiro deste ano a Lei nº 3.729, que esta sendo chamada de “Lei do Menor”, pois proíbe menores de dezesseis anos de idade de estarem fora de suas casas, sem seus responsáveis, após às 23 horas.

A lei que esta sendo bem aceita por alguns, mas repudiada por outros vem de fato gerando muita discussão, principalmente sobre o viés constitucional, nos permitindo desse modo estender a discussão para o âmbito nacional.

A importância de se falar sobre o assunto é justamente porque se sabe que no Brasil há à prática da cópia legislativa entre os entes federados. Uma lei criada e bem aceita em um estado, possui grande possibilidade de ser copiada para também ser implementada em outro. Por isso, antes que cidades e estados passem também a proibir que menores de idade, não infratores, fiquem na rua após das 23 horas, melhor sedimentar posição sobre o assunto.

Se por um lado a lei nos chama à atenção para o problema da criminalidade estar cada vez mais ligada ao público jovem, nos remetendo à necessidade de controlarmos melhor os menores a fim de que eles não se envolvam em problemas dessa natureza, por outro, nos aguça a curiosidade e nos provoca a fazer os seguintes questionamentos: primeiro, considerando a iniciativa da lei, seria constitucional uma imposição dessa natureza criada pelo poder legislativo de um município?; Segundo, seria também constitucional restringir o direito de ir e vir bem como o de permanecer em um local, pautado tão somente num discurso de lei e ordem?

Salientando apenas que as medidas comumente vistas nos Estados que adotam esse discurso tem por cerne não respeitar limites quando o assunto é atingir certo resultado, principalmente quando tal objetivo já se mostrou distante pelas vias convencionais.

É sabido que os menores, crianças e ou adolescentes, estão cada vez mais cedo se envolvendo no mundo da criminalidade e algo realmente deve ser feito para que esse cenário possa de fato mudar. Contudo, deve-se tomar o máximo de cuidado para que nesse “algo a ser feito” não se pratique abusos, excessos, para que não se crie um estado aparente ou um medida de exceção para justificar uma prevenção futura. Não se pode prevenir o mal perpetuando ele mesmo.

Nessa esteira, a pergunta que se mostra pertinente no momento é a seguinte: em relação a cidade específica de Guarapari/ES, será que todas as medidas convencionais necessárias (saúde, alimentação, educação, lazer, meio de profissionalização, acesso à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar (art.227 da CF/88)) já foram tomadas, de forma que não restou outra saída a não ser impor tal restrição?

Vale lembrar que o direito à liberdade plena não faz distinção entre menor ou maior. Todos são igualmente protegidos. Sendo assim, o cuidado que se deve tomar agora é também para se evitar que no futuro, por questão de conveniência e oportunidade, uma medida idêntica seja criada também para os maiores.

O que a referida lei municipal veio estabelecer foi o velho conhecido toque de recolher. Algo comum nos regimes ditatoriais, mas que não coaduna nem um pouco com um Estado democrático como o Brasil. Essa medida é própria de um Estado dito marginal, que caracteriza-se justamente por não respeitar as garantias individuais. E é isso que se esta ensaiando no referido município.

Ademais há outro problema em toda essa questão que é sobrecarga que essa lei gerará para as forças públicas locais, uma vez que o cumprimento e a fiscalização do toque de recolher ficarão sob responsabilidade da polícia militar. Em muitos locais já se reclama que o efetivo policial não é suficiente para se atender as urgências da sociedade, quem dirá agora, pelo menos no referido município, em que os policiais além de prenderem os criminosos ainda terão que recolher crianças e adolescentes.

Outrossim, ainda sobre as consequências, caso um menor seja encontrado na rua após as 23 horas, independentemente da aplicação de multa conforme prevê a lei, não será outra medida adotada, senão, num primeiro momento ser o menor levado para casa pela polícia. Acabando assim por virar a polícia uma recolhedora de menores não infratores, quase que uma baba.

Noutro quadro, a sociedade tem dado claros sinais de que não acredita mais no Estado para resolver o problema da violência e da criminalidade, tanto é assim que os últimos tem nos revelado uma população cansada que passou a atacar o mal com o próprio mal, linchando possíveis autores de crimes, prendendo-os em postes, etc. Aliás, o que se observa agora com a referida lei municipal é que próprio “Estado” parece não confiar mais em si mesmo. Pelo menos um de seus poderes, no caso o legislativo municipal, parece te perdido a confiança no seu próprio trabalho.

Respondendo as indagações feitas no início, sobre o possível vício de iniciativa, vale destacar o art. 24 da CF/88, que estabelece como concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, a competência para legislar sobre a proteção à infância e à juventude (art. 24, inciso XV). Não se viu neste rol à autorização necessária para que os municípios também possam trabalhar nessa esteira legislativa.

Mas, ainda que fosse possível, ou melhor, ainda que tal lei tivesse sido feita por qualquer um dos mencionados anteriormente, vale lembrar que o processo legislativo não é livre, deve ser feito com observância de alguns limites que são impostos pela própria democracia. As leis devem obediência ao povo e, sobretudo à Constituição. Logo, não há uma lei que possa desrespeitar direitos bravamente conquistados. O limite, ou melhor, a barreira posta ao legislador neste sentido é a garantia necessária para se evitar abusos por parte do Estado.

Notem que a análise que fazemos é na origem, é anterior à própria efetividade da lei, que diga-se já esta em vigor. Não se esta discutindo se ela conseguirá ou não atender seus objetivos, no caso, objetivos do legislativo municipal. Ainda que ela possa no futuro gerar algum resultado positivo, ainda assim, não vale o preço da liberdade. Adulto ou criança são todos iguais em direitos.

Privar os menores não infratores, impondo à eles esse toque de recolher é o mesmo que dizer que todos doravante estarão em um regime de semi-liberdade, ou então que estão livres mas com cautelares, no caso em especial, a de não poder permanecer na rua depois de certo horário (recolhimento noturno, vide art.319, inciso V, primeira parte do CPP).
A política criminal nos tem ensinado que antes de se atacar o problema com a elaboração de uma lei prematura, deve-se entender e estudar todos os fenômenos sociais que circundam o fato objeto de análise. No caso, antes de se fazer uma lei restringindo o direito à liberdade dos menores não infratores, deve-se perguntar o porquê de estarem na rua até tão tarde, por onde andam os pais, e principalmente qual o apoio que o Estado tem dado, ou que pode estar dando às famílias no sentido de melhor estruturá-las.

A lei municipal 3.729/2014 parece na verdade ter criado um atalho, posto que ao invés do município cuidar das diretrizes básicas que a própria Constituição estabeleceu como obrigação do Estado e direito dos menores, tal como se vê no artigo 227 e parágrafos, resolveu simplesmente já agir reprimindo. Ao invés de se cuidar hoje para não ter que punir no futuro, optou simplesmente em reprimir hoje para não fazê-lo mais severamente amanhã.

Esse mesmo artigo 227 da Constituição Federal, quando enumera os direitos dos menores elenca dentre eles a liberdade, que a rigor do art. 5º, §2º c/c art. 60, §4º, inciso IV, ambos da CF/88, deve sim ser considerada cláusula pétrea. Portanto, o cenário que se tem é que uma lei municipal esta restringindo direito constitucionalmente previsto, isto é, esta mitigando um direito que de tão pleno chegou a atingir status de cláusula pétrea.

É óbvio que tal lei é inconstitucional. Muito embora não se negue que algo deve ser feito a fim de diminuir a migração dos menores para o mundo do crime bem como para protegê-los de qualquer mal, isso não deve ser feito a um preço tão alto.

Não se pode permitir que no Brasil, recém saído de um período tormentoso que foi a ditadura, que de tão grave até hoje novos crimes são descobertos, comece a trabalhar com discurso de lei e ordem como pretende a lei municipal. As cicatrizes da ditadura ainda estão recentes e foram geradas porque medidas extremadas eram tomadas para justificar um bem maior.

É preciso tomar cuidado, não se pode tolerar quaisquer  violações ou restrições aos direitos constitucionais. O perigo da exceção é justamente que ela acabe virando regra!
Com o perdão da analogia empregada, permitir que diplomas legais excepcionem direitos e garantias constitucionalmente previstos, e isso em um país recém saído de uma ditadura militar, seria o mesmo que um “ex-dependente químico”, depois de anos de sobriedade tornasse a fazer uso da substância que o viciou e o tornou dependente. O Brasil não pode correr o risco de sofrer novamente com os mandos e desmandos de um poder autoritário.

Por fim, considerando tudo foi dito, podemos considerar a lei municipal 3.729/2014 “duplamente” inconstitucional, tanto por possuir vício formal de iniciativa, como também por violar frontalmente o direito à liberdade.

Uma lei não pode ser tida como perfeita se os seus resultados são obtidos em desrespeito à direitos e garantias constitucionalmente previstos. Ainda que tal lei possa de fato prevenir algo no futuro, não vale o preço do cerceamento da liberdade de hoje.
É dever do Estado e responsabilidade da família cuidarem para que os menores não entrem para a criminalidade e que tenham opções de seguirem no caminho do bem. Mas se de todo caso, optarem pela criminalidade estará o Estado legitimado a agir com todos os recursos legais a fim de reprimir e punir o mal feito, mas enquanto não há mal o que se vai reprimir?

O sucesso na socialização dos menores não é algo que será atingido com medidas repressivas e até ditatoriais, mais sim no momento em que o Estado, em todas suas esferas, passar a ter mais responsabilidade frente ao importante papel que possui que muito antes de ser repressor deve ser de garantidor.

50 ANOS DO GOLPE MILITAR, NÃO PODEMOS ESQUECER!




Não ousamos dizer em comemoração. Mas em memória aos 50 anos do golpe militar que afogou o Brasil no regime ditatorial, as Faculdades Doctum Guarapari/ES, promoverá na próxima segunda, dia 14 de abril, um evento onde figuras da época falarão sobre o assunto.

Realmente será imperdível!


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