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“O Direito Penal tem cheiro, cor, raça, classe social; enfim, há um grupo de escolhidos, sobre os quais haverá a manifestação da força do Estado.” (Rogério Greco – Direito Penal do Equilíbrio)

domingo, 9 de outubro de 2011

Aborto e Anencefalia. Crime ou não?


Fabricio da Mata Corrêa

Atualmente esse tema tem sido responsável por fomentar, entre os estudiosos do direito, grandes debates e discussões jurídicas onde cada qual na defesa de seu posicionamento apresentam argumentos tão plausíveis, que torna mais difícil a tarefa de nos posicionarmos acerca do tema.


Justamente pela repercussão que tal tema tem gerado nos diversos setores da sociedade, já era previsível que mais cedo ou mais tarde chegasse ao Supremo Tribunal Federal, em especial por dois motivos. Primeiro por considerar que esse assunto vinha dando azo à muitas opiniões, contrárias e favoráveis, gerando um cenário de dúvida e insegurança jurídica, o que por se tratar de matéria penal é algo inaceitável, pois deixaria cada pessoa que se visse nessa circunstância sujeita a interpretação do julgador, correndo risco inclusive de ter sua liberdade restringida.


Noutro momento, sopesou-se o fato de que o poder legislativo quedou-se inerte, não legislando sobre assunto, quando esta revela-se de fato como sua função precípua. Considerando para tanto, que se houvesse um dispositivo legal tratando do assunto, todo o problema já estaria resolvido


Verificadas tais considerações, foi inevitável que tal assunto chegasse até Supremo. O que aconteceu por meio de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental de Nº 54, que diga-se de passagem, ainda esta pendente de análise, mas de onde se espera que o STF posicione-se apenas dizendo ser ou não crime a interrupção da gestação cujo feto seja anencéfalo.
“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – LIMINAR – ATUAÇÃO INDIVIDUAL – ARTIGOS 21, INCISOS IV E V, DO REGIMENTO INTERNO E 5º, § 1º, DA LEI Nº9.882/99. LIBERDADE – AUTONOMIA DA VONTADE – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – SAÚDE - GRAVIDEZ – INTERRUPÇÃO – FETO ANENCEFÁLICO.”


Deve se destacar que o crime de aborto encontra-se previsto de forma detalhada na legislação brasileira do artigo 124 ao 127 do Código Penal, integrando assim o chamado grupo dos crimes contra a vida. Outrossim, além de fazer constar no texto de lei quais condutas seriam passíveis de punição, dada sua reprovabilidade, o legislador preocupou-se ainda por fazer constar algumas situações que devido suas circunstancias, isentariam de pena quem praticasse tal crime. Sendo elas:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Abrindo um parêntese para se falar sobre a natureza jurídica desse instituto, embora o texto de lei diga “Não se pune o aborto”, importante dizer que não se trata de uma simples causa excludente de culpabilidade, muito embora seja esse o entendimento obtido por meio da interpretação literal. Mas de fato essa conclusão é equivocada tendo em vista que a força da norma transpassada pelo artigo 128 do Código Penal, revela-se verdadeiramente como uma causa de atipicidade. 


Esse pensamento fica claro se invocarmos a Teoria Constitucionalista do Delito, que considera necessária para a existência do primeiro elemento do crime (tipicidade), não só o aspecto formal, como também o material, este que diga-se de passagem não se fez presente. Fazendo assim com que o fato seja totalmente atípico.

Retomando a questão da ADPF – Nº54. Nos meses que estão por vim, existe grande possibilidade de que ela venha finalmente ser apreciada e julgada, tendo em vista que há muito se espera por isso, e que por vezes fora retirada de pauta. Talvez toda essa demora represente um certo temor do STF em ter que decidir sobre um tema tão polêmico, que na prática tem levantado vários movimentos que só fazem aumentar ainda mais sua responsabilidade.


A maior resistência que tal tema tem encontrado nada tem haver com o direito propriamente dito, mas sim, possui cunho meramente religioso, tendo em vista a grande pressão que as igrejas tem feito. Talvez isso explique o motivo que tem feito o STF tardar tanto a análise de tal tema.


E sobre isso, vale chamar atenção para um fenômeno que tem se tornado cada vez mais comum no Brasil, que é justamente a omissão que o poder legislativo frente a temas polêmicos, que por via de consequência tem obrigado o poder judiciário a tomar decisões que de certa forma são tidas como “leis”, quando na verdade isso não lhe compete. Note, que de forma indireta o judiciário estará fazendo às vias do poder legislativo, assim como se viu no caso das células troncos, e recentemente na união estável homoafetiva.


Por mais que tal tema seja socialmente polêmico, juridicamente não há dúvida, tratar-se de um fato puramente atípico. Contudo, para que tal distinção possa ser feita, e assim possibilitar a tomada de um posicionamento, é preciso para tanto, desvencilharmos de todas as questões filosóficas, éticas, morais, políticas e religiosas que nos cegam para a dureza que é a realidade de uma gestação de feto anencéfalo. 


Hoje, o tema anencefalia tem exigido um enorme senso crítico da maioria dos juristas, que buscando auxílio na medicina, têm manifestado posicionamento favorável sobre esse tema. Até porque para a medicina já esta sobejamente provado que esse tipo de gestação não se limita em uma má formação cerebral do feto, sendo ainda responsável por desencadear inúmeras alterações, como por exemplo, um alongamento anormal dos ombros, que aliados a outros fatores, impedem o parto normal tornando a gestação um claro e evidente  risco para a gestante.


Não é correto dizer que tal gestação coloca em risco a VIDA do feto, tendo em vista que esse feto não possui sequer uma expectativa de vida, mas sim a certeza da morte, posto ser impossível sua sobrevivência pelo simples fato de não possuir um cérebro. Sendo assim, considerando que a morte pela legislação brasileira ocorre com o término das atividades cerebrais, o que se dizer quando essas atividades sequer iniciaram. Por outro lado, a mãe nestes casos é quem de fato sofre, não só fisicamente, como psicologicamente, tendo em vista que embora saiba que seu filho não terá chances de sobreviver, atualmente é obrigada a ter de esperar toda a gestação.

Tal dor não pode ser mensurada, mas apenas para que ela seja melhor compreendida em toda sua abrangência e intensidade, imagine a morte de um ente querido e todo o sofrimento que a família suporta naquele período chamando de crítico que compreende a morte e alguns dias que se seguem ao enterro. No caso da gestante cujo feto seja anencéfalo, para se entender o sofrimento da mesma, basta aumentar esse período crítico de dor e luto por todo tempo que durar a gestação. 


Por isso, respeitando opiniões contrárias, somos filiados da corrente que entende que a interrupção da gravidez pautada em anencefalia esta perfeitamente enquadrada no mandamento visto no art. 128, inciso I que diz:
“Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;”

Doravante, pode-se invocar ainda, princípio constitucional que serve para justificar toda essa questão, que é a razoabilidade e a proporcionalidade, vez que não é razoável arriscar a vida da gestante obrigando-a a passar por um parto com reais riscos morte, apenas para se retirar do seu ventre um feto que quando já não nasce morto, estará fadado à morte se não em questão de horas com certeza em poucos dias.


Ainda sobre essa análise, complementando o entendimento sobre o artigo 128 do CP, existe outra questão que não deve ser ignorada, que é o fato de hoje já ser possível interromper uma gravidez se esta for oriunda de estupro, conforme inciso II do referido artigo. 


Ora, veja que nesses não se cogita o estado fisiológico do feto, sendo completamente ignorado o fato do mesmo apresentar 100 % de chance de sobreviver, mas considera-se como relevante apenas as circunstâncias que ocasionaram a gravidez, e a vontade da gestante. Por isso deve-se questionar o seguinte, não seria razoável considerar como também possível a interrupção da gravidez quando o feto certamente morrerá, visto já ser possível quando do contrário.


Deve ser ponderar que reconhecendo o STF que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo não é crime, não significa dizer que todas as gestantes que se encontrarem nessa situação serão obrigadas a abortarem, não é isso. Mas estar-se-ia apenas dando aos pais, em especial à mãe, o direito de não serem obrigados(as) à enterrarem seu filho depois de uma longa e dolorosa gestação. Onde desde o início não se esperava a vida, mas apenas a morte.


Por fim, importante frisar que dizendo sim a tal possibilidade, deve-se deixar bem estabelecido que tal decisão é restrita e específica para os casos de anencefalia, resguardados aqueles em que já se aceitam por representar risco para a gestante(art.128, I do CP). Claro que não se permitirá a introdução nesse contexto de gravidez, aquelas onde se descobre durante a gravidez ser o feto portador de problemas mentais, ou outras doenças, mas que além de não colocar a gestante em risco, com certeza não impedirá que o mesmo nasça vivo.


Por isso, somos sim favoráveis à interrupção da gravidez quando cientificamente comprovado, por clínica própria, que trata-se de um caso de anencefalia e que o feto certamente não viverá. Deixando nesses casos a tomada de decisão somente a cargo dos pais, se pretendem ou não prolongar o sofrimento e a frustração, sem correrem o risco de sofrerem com o peso do Direito Penal. 


Após a manifestação do STF, e caso venha ela ser favorável. Claro que a decisão de interromper ou não a gestação será exclusiva dos pais, não podendo ser tomada por mais ninguém. Agora, tirar esse direito e obrigar alguém passar por todo esse turbilhão de dor e sofrimento, isso com certeza não reflete o fim do direito.

Para facilitar o posicionamento dos Senhores(as), fica a dica de dois vídeos:

 Palestra do médico Thomaz Gollop.

Fonte do vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=0vgGXfVR8-Q

  História Severina.

Fonte do vídeo:http://www.youtube.com/user/ImagensLivres?blend=13&ob=5#p/u/1/65Ab38kWFhE

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